Há filhos que herdam fortunas dos seus pais. No meu caso, para além do apelido, de que gosto muito (MEIRELES), a única coisa que herdei do meu pai, foi uma tesoura de barbeiro. É verdade, uma tesoura de barbeiro, fabricada em Itália, com duas cabeças de bovino gravadas e cuja marca não consigo decifrar porque as letras, muito pequeninas, já estão um pouco sumidas.
Esta tesoura só está na minha posse porque ficou em minha casa por esquecimento, numa das últimas visitas que me fez, um pouco antes de morrer.
Mas esta tesoura tem de facto uma grande história. Meu pai era, naquela época, um excelente barbeiro. Para além da barbearia instalada numa loja térrea da casa onde residia na aldeia de Misquel, também trabalhava na arte aos fins de semana, na freguesia de Parambos e ainda na Vila de Carrazeda de Ansiães, aos dias de feira, a 10, 20 e 30 de cada mês.
Sendo pai de nove filhos, só o rendimento da agrigultura não era suficiente para garantir o pão de cada dia a uma família tão extensa, tanto mais que em alguns anos, ela ainda dava prejuízo, não dando sequer para pagar os adubos, as sementes e a mão-de-obra. Era através da profissão de Barbeiro e de empreitadas na área da captação de água através da abertura de poços e minas, que ia amealhando algum dinheiro para fazer face às despesas de primeira necessidade e pagar empréstimos que fazia em momentos de aperto.
Naquele tempo, o meu pai, a quem tratavam por alcunha por "Engenheiro", pelo sucesso que obtinha na descoberta e identificação exacta dos locais onde era possível encontrar água, através da abertura de poços ou minas.
O meu pai era de facto, à época, muito avançado na profissão e a sua fama era tal que as Senhoras mais proeminentes da região, faziam questão de cortar o cabelo nos dias de feira, com marcação antecipada para o Sr. Manuel "Engenheiro". Ele era de facto muito bom na arte de cortar cabelos a pente e tesoura, fazendo corresponder o corte com a vontade expressa pelo cliente.
Para além de ser um excelente profissional, era também um homem vaidoso. As camisas e as calças tinham que estar sempre impecavelmente passadas e os únicos sapatos que possuía, para usar quando exercia a profissão, fazia questão de os conservar sempre bem limpos e engraxados.
Também se preocupava com a apresentação das mãos sempre que exercia a profissão. Para eliminar as rugosidades próprias de quem trabalhava no campo, esfregava-as com uma mistura de serradura, areia fina e sabão e, já naquele tempo, aplicava verniz incolor nas unhas, utilizava brilhantina para pentear o cabelo e até aplicava creme amaciador nas mãos e face. Era de facto muito cuidadoso com a imagem e daí eu considerar que era um homem vaidoso.
De facto, infelizmente, esse seu lado vaidoso e convencido, encerrava também uma outra faceta de mulherengo que acabou por lhe roubar a felicidade junto da sua verdadeira família que era, sem dúvida, aquela que mais amava, acabando os seus dias muito perturbado e amargurado, junto de pessoas que apenas gostavam do seu dinheiro.
Mas volto ao tema da herança da tesoura, que por ser o único objecto que possuo de meu pai, como calculam, embora o seu valor real seja insignificante, para mim tem um valor estimativo muito grande porque sei que ele a usou ao longo de muitos anos, como peça fundamental da sua profissão e do seu ganha pão.
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