segunda-feira, 1 de novembro de 2010

GUERRA JUNQUEIRO - INTEMPORAL



Haverá algum engano na data?


"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia de um coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.

Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não distinguindo já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro.

Um Poder Legislativo, esfregão de cozinha do Executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.

A Justiça ao arbítreo da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.

Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no Parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar"

GUERRA JUNQUEIRO (1896)


****************

Incrível!!! Vejam como é extraordinariamente realista, nos nossos dias, esta fantástica prosa de Guerra Junqueiro, escrita no século XIX, há precisamente 114 anos!!!

Espantoso! Assim era há 114 anos e assim continua a ser, na actualidade, a miserável política portuguesa. Os homens já não são os mesmos mas as suas abomináveis práticas, os seus maus hábitos e costumes, esses mantêm-se inalteráveis, cada vez mais arraigados e sofisticados.

E o que dizia Junqueiro do Povo? Será que se ele vivesse hoje, não teria as mesmas razões para escrever o que escreveu?

Os homens não mudam e está provado que enquanto o Povo lhes der rédea solta, eles continuarão sempre atolados em esquemas de corrupção e práticas vergonhosas, delapidando a riqueza do País e tornando cada vez mais insuportável a existência das pessoas.

Os governantes precisam de rédea curta. É preciso uma intervenção mais activa do Povo. É preciso um órgão fiscalizador, composto por elementos do Povo (mas mesmo do verdadeiro Povo) e residentes em cada região do País, que tenha poder para tomar decisões e força de Lei para impedir o saque permanente do património da Nação.
Para Junqueiro, o povo tinha uma enorme quota parte de responsabilidade nos desmandos da classe política porque nada fazia para o impedir e hoje verifica-se precisamente a mesma coisa.
Até quando?

Sem comentários: