quinta-feira, 30 de julho de 2009

UMA HISTÓRIA INCRÍVEL MAS VERDADEIRA

Tomei conhecimento através da imprensa diária que um homem que matou acidentalmente uma mulher, na freguesia de Anissó, Vieira do Minho, viveu durante 16 anos, tendo como companhia um pequeno rádio e um cão, em grutas que ele próprio escavou, em vários pontos estratégicos do Monte de Nossa Senhora da Lapa, fugido da Justiça.


Esta história teve lugar há quase vinte anos quando Fernando Domingues Cruz, então com 35 anos de idade, com a profissão de pastor, se travou de razões com uma vizinha, com a mesma profissão por causa de uma briga entre as cabras dos dois rebanhos que se desentenderam junto a um ribeiro. Entraram em discussão e a certa altura a mulher ameaçou o pastor que lhe dava com o cajado e este em resposta parece que a atingiu na cabeça com a sachola que levava nas mãos, provocando-lhe involuntariamente a morte.
Toda a gente sabia e dizia na freguesia de Anissó que o crime de que o pastor era acusado tinha sido acidental e que a vítima, uma mulher de 70 anos, passava a vida a meter-se com ele.
No entanto, o pastor foi julgado e condenado no Tribunal de Vieira do Minho, em 1990, a uma pena de 10 anos de prisão, dos quais apenas cumpriu 3, porque na primeira saída precária que lhe foi concedida, em 1993, decidiu nunca mais voltar à prisão, preferindo viver nos montes, isolado do Mundo, o resto da vida.
Diz quem teve a rara oportunidade de contactar com ele que o facto de ter sido vítima de várias ameaças de morte e tentativas de violação na prisão, o deixou tão angustiado e traumatizado que dizia preferir morrer do que voltar para a cadeia.
Nesta história, há realmente um facto que chama imediatamente à nossa atenção: se a morte foi acidental e o acto foi cometido em função de uma provocação, porque motivo este homem que toda a gente descreve como exemplar cidadão, foi condenado a 10 anos de cadeia?
Vou tentar dar a resposta que não ficará muito longe da verdade. Este homem foi condenado a 10 anos de prisão, em primeiro lugar, precisamente porque era um pobre e humilde pastor e não teve a defendê-lo um daqueles advogados de renome que até os Juízes temem e que conseguem muitas vezes, em tribunal, fazer com que os criminosos sejam absolvidos e os inocentes condenados.
Em 2º lugar porque um homem bom, honesto e humilde, não teve a destreza de fugir para um qualquer Estado do interior do Brasil ou para qualquer outro recôndito País, forjando uma identidade falsa.
Em 3º lugar porque efectivamente, neste País, a Justiça que é cega, surda e muda, só é forte com os fracos, comportando-se com os verdadeiros criminosos, aqueles que põem constantemente em perigo a felicidade, a vida e os bens das pessoas, sequestrando, violando, agredindo com violência, enganando, roubando e assassinando, com uma brandura e uma impunidade que está a indignar e a alterar os hábitos dos portugueses, no que diz respeito aos métodos de defesa.
Atente-se no que se passou e passa com os Gangs da noite portuense e também lisboeta, com os negócios da prostituição, com os cartéis da droga, com os negócios nebulosos do Governo e da maioria das Câmaras do País, do escandaloso enriquecimento ilícito de governantes, autarcas e determinados administradores, do apito dourado, da pedofilia, do saque de milhões no BCP, BPP e BPN e um sem número de crimes de colarinho branco, responsáveis por fraudes gigantescas de nuitas centenas de milhões de euros, a que a Justiça não corresponde com investigações aprofundadas, até às últimas consequências, condenando com penas compatíveis com os crimes que cometeram, todos os culpados, sem excepção, independentemente da sua religião, cor política, cargo, grau acadédmico e estatuto social ou económico; tal atitude incomoda e revolta o mais pacato e comum dos mortais.
Mas no que diz respeito a esta incrível história, se a Justiça não fosse tão vesga e obtusa, num primeiro momento, não teria condenado um homem bom, sem antecedentes criminais e também ele desolado pela tragédia que involuntariamente provocou, a 10 anos de prisão e agora, passados quase 20 anos sobre o fatídico acidente e depois de ter vivido isolado e exilado nos montes, como se de um leproso se tratasse, sofrendo na carne e nos ossos, uma pena muito mais pesada do que aquela a que foi condenado e que só não cumpriu totalmente porque foi vítima de atentados horrendos contra a sua vida, o seu pudor, a sua honra e a sua dignidade, a Justiça em vez de se preocupar em recuperar o homem, confortar a sua alma e tratar os seus traumas e mazelas, preocupa-se em encarcerá-lo de novo, para lhe arrancar de vez, o pouco que ainda lhe reste de honra e dignidade.
Será que a Justiça não vê que só um homem justo e bom é capaz de viver 16 anos numa serra, ao relento, sujeito às inclementes agruras da natureza, passando pelas mais inimagináveis carências e privações, sem nunca ter cometido qualquer crime e conquistando até a cumplicidade, a compreensão e a amizade daqueles (poucos) que tiveram a rara oportunidade de conhecê-lo?
Os próprios agentes que o prenderam, puderam testemunhar que se trata de um homem bom porque embora estando armado, não se serviu da arma e até teve um comportamento amistoso.
Será que a Justiça, depois de todos estes anos, ainda não chegou à conclusão de que este homem não é um assassino?
É comovente a história deste homem que preferiu viver durante 16 anos numa serra, como um animal selvagem, longe do conforto, da família e dos amigos, do que entregar-se nas mãos e à guarda da Justiça que primeiramente lhe decretou uma pena exagerada e depois permitiu que dentro da prisão, à sua guarda, fosse vítima de atentados repugnantes à sua honra, à sua dignidade e ao seu pudor.
Este homem bom e justo que teve um momento de infortúnio na sua vida, aos 35 anos, nas duas vezes em que se confrontou com as autoridades durante a sua evasão, disse duas frases, em circunstâncias diferentes, bastante curtas mas que revelam o quanto de amargo, desconfiança, desencanto e desilusão lhe vai na alma: há oito anos quando a GNR tentou prendê-lo, numa altura em que se encontrava de visita à mãe, ao aperceber-se da presença dos agentes, saltou de um muro com mais de seis metros de altura e escapou pelo meio de um silvado, encosta acima, de regresso aos seus esconderijos; em resposta aos tiros de intimidação da GNR e dos conselhos que lhe gritava o Comandante, dizendo-lhe que "era perigoso fugir", Fernando Cruz, em louca correria, montanha acima, ripostou: "antes morto do que preso".
A segunda frase foi proferida pelo pastor, no momento em que foi detido por elementos da Polícia Judiciária, nas imediações de um dos seus esconderijos, depois de dois anos de sucessivas tentativas frustradas. Aquele homem tinha no seu cão, o companheiro de infortúnio, o amigo que nunca o abandonou e uma convivência sem ausências, durante 24 horas, todos os dias. Na hora de partir com destino ao estabelecimento prisional, pediu aos agentes que entregassem o seu fiel companheiro a um amigo e desabafou a chorar como uma criança: "o meu cão é o único ser em quem confio".
Se eu pudesse não permitiria que este homem continuasse a sofrer. Já que não é possível anular a má decisão da sentença que o condenou há 20 anos e os efeitos devastadores que lhe causou, tomaria medidas para que lhe fossem proporcionados todos os cuidados para lhe recuperar a saúde do corpo e da mente, restituindo-lhe tudo aquilo que perdeu, no que diz respeito aos seus bens materiais, nomeadamente, o seu rebanho de cabras ou ovelhas, para refazer a sua vida e encontrar a paz, a tranquilidade e a alegria de viver que lhe roubaram nos últimos 20 anos.
E não julguem que não estou a pensar também na outra vítima e nos seus familiares. É sempre uma grande tragédia a morte de alguém e muito mais quando a mesma não é natural, por doença ou por velhice.
Mas neste caso, porque foi um acidente infeliz, como tantos outros que ocorrem todos os dias, involuntariamente, a Justiça devia tê-lo tratado como tal e aplicar uma pena de prisão mais leve e o pagamento de uma indemnização aos familiares da vítima de acordo com as possibilidades económicas do réu, ou no caso de este não poder que fosse paga pelo próprio Estado que tantas vezes gasta milhões, sem qualquer proveito para o País e para os cidadãos.
De uma coisa tenho a certeza: a própria vítima, se pudesse ter intervido como testemunha, logo no julgamento teria intercedido em seu favor e logo ali lhe teria perdoado aquela agressão irreflectida e sem intenção de a matar, porque também ela reconheceria que se excedeu em ofensas e ameaças, acabando por ter também alguma culpa no acto praticado pelo réu.
Aposto que lá no local onde o seu espírito repousa eternamente, também ela tem sofrido com o drama do seu colega de profissão, Fernando Domingues Cruz.
É por causa deste tipo de decisões dos Tribunais, tão severas para uns e tão brandas para outros que milhares de cidadãos fogem da Justiça como o Diabo foge da Cruz, preferindo ficar ofendidos e prejudicados do que recorrer aos seus serviços.
Felizes daqueles que conseguiram justiça recorrendo aos Tribunais. Eu já de lá saí vergado pela humilhação de uma sentença que condenou a verdade e absolveu a mentira.
Infelizmente, as más decisões dos Tribunais injustiçam muitos cidadãos por esse País fora e nalguns casos, também aniquilam por completo as suas vidas, como aconteceu com o cidadão Fernando Domingues Cruz.
Como este homem já pagou várias vezes o crime que cometeu, a Justiça deve dar-lhe oportunidade de poder viver, o mais rapidamente possível, em paz e em liberdade.

1 comentário:

Pedro Lopes disse...

Quando o Sr Meirelles aborrecer alguém não se admire de levar com uma sachola na cabeça...

tenha juizo homem, que idade já tem!