Parabéns Querida! Mais um aniversário sobre a data do nosso casamento! São agora 56 celebrações! Uma longa vida matrimonial vivida a dois, com altos e baixos durante o percurso mas sem nunca deixarmos que a chama do amor se extinguisse e essa é a razão porque continuamos e continuaremos juntos até ao dia que os nossos corações deixarem de bater.
Querida, foi longo e difícil este nosso percurso. Estávamos a organizar as nossas vidas e tudo estava a correr de feição mas de um momento para o outro, tudo se alterou. A Revolução dos Cravos de 25 de Abril de 1974, teve como grave consequência, a Descolonização. Estávamos casados há 5 anos e, de repente, tudo voltou à estaca zero. Lembro-me das discussões sobre regressar a Portugal, uma ideia que tu de início não partilhaste porque não querias deixar para trás a tua Família (mãe e irmãos). A verdade é que todos podiam ter vindo pelo Quadro Geral de Adidos, como nós viemos, porque eram funcionários do Estado Português.
Depois de muito conversarmos acerca do assunto, foi decidido que nós e os nossos filhos viríamos para Portugal, enquanto a tua mãe e os teus irmãos Luis, Antónia e Mili, continuariam em Angola. Foi uma decisão que hoje sabemos ter sido errada, porque todos acabaram por vir para Portugal alguns anos mais tarde e, nessa altura, já não puderam beneficiar do apoio que foi dado aos retornados.
Foi um período difícil das nossas vidas, sem casa, sem emprego e sem condições económicas para podermos ter uma vida minimamente feliz. Acabámos por ir para casa da minha mãe, coisa que eu nunca quis, mas ao fim de uma semana a dormirmos no aeroporto, mal alimentados, sem acesso a um banho quente, tivemos que fugir pela calada da noite e ir à procura da casa da minha mãe que nos recebeu de braços abertos e com grande alegria e emoção.
Os dois sabemos o que foram cerca de dois anos a viver naquela casa, partilhada por mais cinco irmãos. Ao todo éramos 10 ou 11 pessoas e a vida não era fácil. Eu lá ia todos os dias para as filas do IARN, na esperança de conseguir algum apoio. Às vezes lá conseguia, outras não. Mas felizmente sobrevivemos e no que diz respeito aos nossos filhos, tudo fizemos para que nada lhes faltasse. Também nesse aspecto, foste uma verdadeira heroína que tudo fizeste por eles nessa conjuntura tão difícil.
Mas a nossa vida iria continuar a ser dura. A partir do momento em que decidimos construir uma casa clandestina no então Bairro das Calvanas. Lembras-te que fomos viver para lá quando a casa ainda não tinha portas nem janelas. A porta era uma chapa de zinco e as janelas tapadas com tábuas. De verão não havia problema mas o primeiro Inverno foi horrível. Para além do vento frio que entrava por todos os lados, também chovia nos quartos e em toda a casa, porque a casa só tinha placa e como não era isolada, deixava passar toda a água da chuva. De noite, tínhamos que proteger as camas com plásticos e a água sentia-se a cair neles. Foram mais dois ou três anos de luta para conseguirmos suprir as muitas necessidades da casa para, finalmente, poder habitá-la com um mínimo de conforto.
A vida começava entretanto a normalizar. Fomos integrados no Quadro Geral de Adidos, recebemos algum dinheiro de rectroactivos à data da integração e, logo depois, fomos convocados para iniciar funções ao serviço do Estado. Começava um período de certa estabilidade já que podíamos contar com os nossos vencimentos mensais e também porque depois da primeira experiência a nível de emprego, ingressámos definitivamente no quadro de pessoal da Direcção Geral da Junta do Crédito Público e aí permanecemos cerca de 20 anos até transitarmos para Direcção Geral dos Impostos, ao serviço da qual acabámos por nos reformar em 2006, já lá vão 19 anos!
Mas as coisas ainda não haviam de ficar por aqui. Depois de investirmos muitos milhares de contos naquela casa, tivemos de enfrentar o PER (Plano Especial de Realojamento) e que eu, na qualidade de Presidente da Direcção da Associação de Moradores do Bairro das Calvanas, encetei um processo reivindicativo com a Câmara, no sentido de o realojamento do Bairro das Calvanas obedecer às características das casas do Bairro: individuais, com garagem e logradoiro e com a dimensão de acordo com o número de pessoas de cada agregado familiar. Foram 10 anos de luta constante até à data em que finalmente tomámos posse da nossa casa.
Finalmente, 31 anos depois de retornarmos a Portugal, vítimas da "exemplar descolonização", tínhamos o problema da habitação resolvido e, nesse aspecto, deixou de pairar na nossa vida a angústia, a dúvida e a incerteza sobre sermos capazes de conseguir resolver tão difícil e importante problema.
Querida, estamos reformados à 19 anos e ao contrário daquilo que pensávamos, que era ter uma vida mais sossegada e mais tempo para nós, ela tem sido intensa: muita colaboração com os nossos filhos e netos e sempre activos por causa da Associação mas também por causa do nosso terreno que exije muito trabalho. Durante estes anos não temos passeado muito mas ainda estamos a tempo de recuperar algum tempo perdido e inverter essa situação.
Mas o mais importante minha querida, é que nunca deixámos apagar a chama do nosso amor, a mesma que tão arrebatadoramente nos tocou no primeiro dia que nos conhecemos. O facto de termos feitios muito diferentes, em muitas circunstâncias, não foi bom para o nosso relacionamento mas felizmente foi sempre tudo ultrapassado, precisamente porque nos amávamos de verdade.
É claro que na vida de um casal existem altos e baixos porque não é fácil uma vivência a dois, se não existir a chama do amor, carinho, compreensão e tolerância. Reconheço que em algumas ocasiões esses adjectivos estiveram ausentes mas olhando para trás, digo com sinceridade que valeu a pena. Fomos felizes à nossa maneira ao longo de todo este percurso. E tivemos momentos de grande felicidade, a começar pelo nosso casamento, o nascimento dos nossos lindos filhos e netos e o seu percurso de sucesso mas também a participação em grandes eventos, passeios, viagens e em tantos outros momentos de confraternização e convívio com familiares e amigos.
Como pessoas responsáveis, procurámos sempre ser boas pessoas e dar bons exemplos, a começar pelos nossos filhos, a quem procurámos dar uma boa formação académica e uma boa educação e, nesse aspecto, fomos bem sucedidos porque os nossos filhos são realmeente boas pessoas, extraordinários pais e nós temos imenso orgulho neles.
Aqui chegados, dizer que a nossa caminhada vai continuar até que Deus queira. Por enquanto vamos tendo saúde para podermos ser independentes e, nesse sentido, enquanto o Criador nos conceder esse supremo privilégio, teremos sempre muita vontade de viver e continuar a acompanhar a vida dos nossos filhos e dos nossos netos que são, sem dúvida, a principal razão de querermos muito continuar a viver.
Por enquanto não falamos em morrer, ainda nos sentimos válidos e sem necessidade dos cuidados de ninguém. Mas na verdade, o tempo corre a grande velocidade e não é possível vislumbrar o que nos vai acontecer. Devemos estar preparados para aceitar tudo quanto nos possa acontecer mas se eu pudesse decidir quem de nós devia partir primeiro, eu não teria qualquer dúvida em afirmar que queria ser eu e justifico: tu, minha querida, foste sempre uma mãe extraordinária para os nossos filhos e agora estás a ser uma avó incrível para os nossos netos. Nesse sentido, sei que a tua presença e companhia faz muito mais falta do que a minha. Essas coisas não estão nas nossas mãos, só o Criador sabe o que vai acontecer mas se fosse possível, eu não exitaria em pedir-Lhe que me levasse a mim primeiro.
Como sempre fiz ao longo da minha vida, tudo quanto digo ou escrevo, é sentido, vem de dentro e o que cabo de escrever é igualmente sentido. Espero não te causar qualquer constrangimento com algo do que escrevi porque essa nunca seria a minha intenção.
Parabéns querida por me teres dado o grande privilégio de te poder amar e acompanhar ao longo destes 56 anos e dizer-te que tudo farei para que o resto da nossa vida seja cada vez mais prazerosa e feliz.
Beijinho grande meu AMOR.