domingo, 4 de outubro de 2009

QUE JUSTIÇA É ESTA?


Se esta história me fosse contada, provavelmente eu não acreditaria. Nenhum cidadão deste País está à espera de ser tratado desta maneira, depois de praticar um acto de coragem e humanismo, denunciando crimes de maus tratos a crianças.

É por esse motivo que acho muito importante dar publicidade à notícia do Correio da Manhã, para que os portugueses tenham noção da forma como funciona a Justiça em Portugal.

Correio da Manhã, 03 Outubro 2009
Violência: Preocupação da docente pode ter salvo duas crianças
Denuncia abusos e passa a ser o alvo

'Maria' (nome fictício) não conseguiu ficar indiferente quando se apercebeu de que um menino, de 10 anos, aluno na sua escola, estava a ser alvo de maus tratos em casa. Denunciou o caso, foi ameaçada por familiares da criança, mas agora a polícia diz que não tem meios para a proteger. E a procuradora do Ministério Público, a quem a professora ontem recorreu para tentar encontrar uma solução, apresentou então uma outra solução a ‘Maria’: mudar de escola.
"Fiz o que estava correcto e sou eu que tenho de mudar de vida? Tenho de fugir como se tivesse cometido um crime?", questiona-se a professora, que não esconde a revolta.
‘Maria’ revive o dia 2 de Fevereiro vezes sem conta. Foi aí que teve a confirmação daquilo que suspeitava há alguns meses. Ao emprestar uma camisola à criança, a professora reparou naquilo que muitos outros docentes da escola faziam questão de não ver: o menino tinha nódoas negras e feridas por todo o corpo.
"Das nádegas até às dobras dos joelhos estava em carne viva. Não parava de sangrar. Ele contou que a mãe lhe batia sempre com o cinto e que não podia chorar porque senão ela batia-lhe mais. Ainda hoje aquela imagem não me sai da cabeça", contou ao CM a docente.
‘Maria’ levou o menino ao Hospital de S. João, no Porto, onde os médicos afirmaram desde logo que a criança só saía de lá para uma instituição. E foi mesmo isso que aconteceu, sendo o menor retirado à família.
A partir daí, ‘Maria’ nunca mais teve paz e um dia, à saída, da escola foi ameaçada por um homem armado. Pediu protecção policial em Fevereiro, mas só a teve em Abril. Tentou por várias vezes obter ajuda por parte da DREN, mas nunca obteve resposta. Na própria escola as colegas quase parecem que a recriminam pelo que fez.
"Cumpri o meu dever como pessoa e profissional e todos me abandonaram nesta luta. Não me arrependo. Sei que se não o fizesse aquele menino tinha morrido", afirma .
O acto da professora, que lecciona numa escola de Gondomar, levou ainda a que também a irmã do menino, de três anos, fosse retirada à família.

ESCOLAS TÊM PAPEL DE RELEVO NA DENÚNCIA
As escolas têm cada vez mais um papel de relevo na denúncia pública das situações de abusos a menores. Os professores têm vindo a ser alvo de diversas campanhas de sensibilização e os números revelam uma maior sensibilidade dos docentes para o problema. A parceria do trabalho dos professores com os elementos das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Risco tem dado frutos e muitas das queixas chegadas às autoridades policiais têm um denominador comum: são feitas por professores.
São aqueles que acompanham as crianças e jovens no seu dia a dia e que também, com mais facilidade, dada a formação que possuem, estão habilitados para verificar se os menores são alvo de maus tratos ou situações de abusos sexuais. A confissão do aluno ao professor é também frequente.
CRIANÇA ESTÁ A VIVER NUMA INSTITUIÇÃO
Para além de ‘Maria’, também o menino está a receber protecção policial. A criança está a viver numa instituição e a mãe foi proibida de o contactar. "Disse-me que nunca mais queria ver a mãe porque ela não gostava dele", contou a docente.
Já com a professora, o caso foi diferente. A mãe da criança e o padrasto estão sujeitos a termo de identidade e residência, mas não lhes foi aplicada qualquer medida de coacção que os impossibilite de se aproximarem da professora. Os processos de ameaças e maus tratos foram adensados num só caso, que será julgado em Gondomar.
PORMENORES
FALTA DE SEGURANÇAS

Ao que tudo indica ‘Maria’ ficará sem protecção policial pois neste momento são poucas as pessoas a prestar esse serviço. Segundo o MP, existem casos mais graves a ser tratados.
ALOJAMENTO
Bastante abalada com a situação, a professora colocou a hipótese de aceitar a proposta de dar aulas noutra cidade, desde que lhe pagassem o alojamento. No entanto, o MP colocou logo de parte a hipótese.
HOSPITAL
No hospital os médicos ficaram em choque quando viram o estado em que o menino estava e admitiram que ele podia ter morrido.
TESTEMUNHAS PROTEGIDAS
São muitos os casos mediáticos de protecção de testemunhas em processo penal. Um dos casos mais recentes foi Carolina Salgado, ex--mulher de Pinto da Costa, que também deixou de ter segurança após os casos chegarem a julgamento. José Faria, que testemunhava contra Ferreira Torres no processo em que o ex-autarca de Marco de Canaveses foi absolvido, esteve igualmente sob forte protecção. Já perdeu a segurança policial.
Diversas testemunhas no caso ‘Noite Branca’ – o processo onde se investigaram quatro mortes na noite do Porto – também tiveram direito a protecção. A primeira foi a mulher de Berto ‘Maluco’, assassinado à porta de casa com várias rajadas de metralhadora. A sua identidade está protegida e, neste momento, vive rodeada de seguranças que garantem a sua integridade.
O processo Casa Pia foi dos primeiros casos que trouxe para a ribalta a protecção das testemunhas. Alguns dos jovens vítimas de abusos sexuais beneficiaram deste regime – prestado por elementos de um corpo especial da PSP – após terem ido depor como testemunhas.
O objectivo: evitar que fossem intimidados e que alguém os pressionasse para mudarem os depoimentos. Todos perderam a segurança quando a investigação terminou.
LEI PERMITE MUDANÇA DE RESIDÊNCIA
A última alteração legislativa, de 2008, estabeleceu novas condições para a protecção das testemunhas. Uma delas foi a possibilidade de alteração da residência, sempre que o perigo assim o justifique. "Sempre que ponderosas razões de segurança o justifiquem, estando em causa crime que deva ser julgado pelo tribunal colectivo ou pelo júri e sem prejuízo de outras medidas de protecção previstas neste diploma, a testemunha poderá beneficiar de medidas pontuais de segurança, nomeadamente da alteração do local físico de residência habitual", pode ler-se nº 1 do artigo 20º.
Diz a lei que cabe à autoridade judiciária competente solicitar a intervenção da Comissão de Programas Especiais de Segurança com vista à efectivação da medida.
NOTAS
PAREDES: ESCOLA FEZ QUEIXA
Em Abril, na cidade de Paredes, três meninas foram retiradas aos pais por serem alvo de maus tratos. A primeira queixa feita na Comissão de Protecção de Menores partiu da própria escola
QUATRO CASOS DENUNCIADOS
Desde que exerce a profissão este é o quarto caso que a docente denuncia. "Perguntaram como descubro tantos casos. Não se trata de descobrir, apenas não tenho medo", disse.
RÚSSIA: EMBAIXADA COMPLICA
O facto de estar em causa uma criança russa, o que por sua vez exige intervenção da embaixada, pode levar a que o processo se arraste durante vários anos.
Ana Isabel Fonseca/Tânia Laranjo

Sem comentários: