sexta-feira, 25 de setembro de 2009

QUANTOS SÃO OS QUE PODEM FALAR SEM MEDO?

Sobre a decisão do CSM congelar a nota classificativa do juiz Rui Teixeira, enquanto o processo que envolve Paulo Pedroso e o Estado não terminar, o Desembargador Orlando Afonso concedeu uma oportuna entrevista ao jornal "Correio da Manha", publicada na edição de Sexta-feira, dia 25-09-2009 que pela sua importância e actualidade, faço questão de lhe dar publicidade através do meu blogue, porque é fundamental que as pessoas se apercebam e tomem conhecimento do que está em causa:

CM, 25 Setembro 2009 - 00h30
ENTREVISTA
"Decisão é aviso para outros juízes"

Orlando Afonso, antigo membro do Conselho da Magistratura, faz duras críticas à decisão de congelar a nota do juiz Rui Teixeira e fala em sinais fortes de partidarização.

- Já manifestou ter ficado surpreendido e até indignado com a decisão inédita do Conselho Superior da Magistratura de congelar a nota do juiz Rui Teixeira, que esteve no inquérito da Casa Pia. Que interpretação faz desta decisão?
Orlando Afonso
- Entendo que é uma decisão grave e é uma decisão com alguns perigos, não só para o juiz visado mas também para a magistratura em geral. Nunca ninguém congelou profissionalmente classificações ou progressões na carreira pelos motivos que foram invocados.
- Mas tem fundamento legal?
- Que eu saiba não. Pode-se suspender uma classificação de um magistrado quando existe um processo disciplinar, aliás isso está previsto no Estatuto. Agora, por este motivo... Primeiro ninguém vai suspender uma classificação porque existe uma acção contra o Estado. Depois, não se sabe qual vai ser o desfecho da acção contra o Estado, pode demorar imenso tempo, e não sabemos sequer se depois disso vai haver acção de regresso (contra o juiz) porque a acção não é obrigatória nem automática, e mesmo que haja, não sabemos qual vai ser o desfecho da acção de regresso. Isto não pode ser, porque isto é uma punição obliqua, é uma punição profissional... Uma punição sem fundamento e sem motivo legal porque há uma carreira de uma pessoa que fica em suspenso porque alguém se lembra. Mas é grave para a magistratura em geral.
- Porquê?
- Porque esta deliberação é um aviso à navegação para outros juízes. É dizer-lhes: 'Senhores juízes, decidam de acordo com o politicamente correcto porque se não o fizerem pode eventualmente alguém no CSM lembrar-se... Se os senhores condenarem o senhor José da esquina, isso não tem problema nenhum. Mas se os senhores se lembrarem de prender alguém que pertença a outros estractos, cuidado porque aí é grave'.
- Tem em mente por exemplo o juiz que tem em mãos o processo Freeport?
- Tenho em mente todos os juizes. Estes casos infelizmente não são casos únicos.
- Então é uma decisão que põe claramente em causa a independência dos juizes e condiciona decisões futuras...
- Um juiz tem de ser imparcial e isento, mas para o ser tem de ter condições que lhe são dadas pela independência e a independência é uma construção politica. Se o poder politico ou o poder económico pressionarem essa independência, claro que um juiz terá muita dificuldade em ser isento e imparcial...Eu não sou independente porque quero, eu sou independente se me derem condições para ser independente.
- Concorda com a actual composição do CSM onde os juizes são uma minoria?
- Não, não concordo. Os conselhos da magistratura na Europa só fazem sentido se forem um órgao de governo autónomo da magistratura e um órgão que garanta a independência do poder judicial. Se esse órgão, ao exercer a gestão e a disciplina, não garantir a independencia do poder judicial, não interessa nada a existência desse órgão.
- E o nosso Conselho garante?
- É aí que eu quero chegar...
- Neste momento o CSM tem seis juizes e sete vogais nomeados pela Assembleia da República.
- A actual composição resultou de uma alteração durante o Governo de António Guterres e eu, que presidia à Associação dos Juizes, manifestei-me veemente contra porque ia inverter a composição. Além disso era também contra aquilo que o Conselho da Europa já vinnha dizendo há muito tempo: os Conselhos devem ser compostos substancialmente por magistrados para que não haja manipulação.
- Faz sentido que o Parlamento possa nomear vogais para o Conselho?
- Faz sentido, o que não faz sentido é que o Parlamento nomeie pessoas para o CSM com actividades politico-partidárias activas, não faz sentido que as pessoas nomeadas sejam correias de transmissão de cada um dos partidos, não faz sentido que muitos dos advogados que são nomeados para o CSM continuem a advogar e tenham processos em tribunal.
- Como aliás acontece actualmente...
- Pois, portanto isso não faz sentido.
- Qual é a solução? Os nomesados pelo Parlamento deviam ser escolhidos mediante uma maioria de dois terços e não por partidos?
- Essa é uma das soluções, é a solução italiana, espanhola. É preciso uma maioria qualificada.
- O CSM está partidarizado?
- Este foi um sinal muito forte... Alguns sinais que nos têm vindo a ser dados ao longo deste mandato no CSM dá-nos a ideia de uma forte influência dos partidos, sobretudo ao nivel dos membros laicos do CSM.
- Rui Texeira foi vitima de uma retaliação?
- Isso é uma conclusão que os senhores podem tirar, não é preciso eu dizer.
- Mas esta decisão foi também votada favoravelmente pelo presidente e pelo vice-presidente do CSM...
- Eu também me pergunto por que é que eles votaram essa decisão porque eu francamente não sei. Acho estranho que isso tenha acontecido, eles terão as suas razões.
- A decisão afecta a credibilidade do CSM?
- Não é por esta decisão que vou dizer que não quero um CSM, não é isso que está em causa. Eu acho é que isto é um grito de alerta para futuras decisões e futuras composições do conselho.
- Considera que houve uma tentaviva sem precedentes por parte deste Governo de controlar a magistratura ?
- Houve, isso já se tem verificando há alguns anos a esta parte, mesmo antes deste Governo. Acho que com esta legislatura que findou vários tiros certeiros se deram na independência da magistratura.
- O juiz Rui Teixeira tem actualmente 40 anos e pode vir a ser muito prejudicado nesta situação. Se o tribunal lhe der razão o que é que ele podera fazer?
- Meter uma acção contra o Estado... Mas o facto de ele ter de concorrer com 'Bom com Distinção' e não 'Muito Bom' poderia não ter nenhum perigo profissional, mas é que o problema é outro agora: o estatuto foi alterado e agora para se ir à Relação e ao Supremo há um júri de avaliação curricular composto maioritariamente por gente não magistrada. Ah, pois... Todo o esquema de quebra da independência está montado, não vamos tapar estas coisas com a peneira.
Ana Luísa Nascimento

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